Marcello Gugu - Milagres lyrics

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Marcello Gugu - Milagres lyrics

Dizem que virgens que choram sangue são consideradas milagres, então posso deduzir que a filha da minha vizinha deve ser santa, pois sangra de três a quatro vezes cada vez que o padrasto a toca. Ela tem 9 anos. Nenhuma igreja quis canonizá-la. Ninguém acreditou nas historias delas O medo costurou seus lábios com linhas feitas de vergonha e confusão e ela que adorava a Disney se transformou na princesa Anastácia Seu silêncio era uma burca. Tão brutal quanto mutilação genital. Ela era Asha Haji Elmi e sua libido foi cortada centímetro por centímetro com um caco de vidro O bicho papão existe. E morava no quarto ao lado e cada vez que via seu padrasto se aproximando era Emily Davison vendo o cavalo do rei Jorge V no Derby Epson Downs. Seu voto era por castidade e ela se jogaria na frente do animal sem pensar Cada vez que ele a tocava, seus músculos em espasmos se transformavam em um prisioneiro de Auschwitz e escreviam em sua carne: se existir um Deus, quando eu chegar no céu, ele terá que me pedir perdão de joelhos Cada vez que chorava, era Hasnah Mohamed Meselmani e suas lágrimas de cristal refletiam todas as mulheres que já quiseram ser um copo de cerveja, ao perceberem que essa era a única coisa que seus parceiros seguravam com carinho Às vezes pensava que Deus e a Morte estavam jogando baralho, pois nenhum dos dois lhes dava atenção quando ela os chamava Jack, o Estripador teria mais compaixão. E se morrer significa**e esquecer, sua paz seria uma amnésia eterna Ela gostava de maquiagens, por isso, viu o punho do seu padrasto pintar em seu rosto sombras em tons de lilás que nem Djavan imaginou quando escreveu a canção. A cor púrpura foi inspirada em seus hematomas. Alice Walker vivia em suas cicatrizes Sua esperança era Waris Dirie e queimava em seu peito como pontas de cigarro. Era uma flor no deserto, cujo olhar foi Abeer Qa**im Hamza na frente dos 5 soldados americanos, que a transformaram numa nota de rodapé nos autos dos crimes de guerra. “Ninguém perguntou, nós não falamos”. Iraque devia ser seu quarto, pois nada do que aconteceu lá o mundo ficou sabendo Suas unhas eram teboris, com elas criou verdadeiras obras de arte na tentativa de arrancar da pele o cheiro do seu padrasto. Seus sonhos, tratados como as bruxas de Salem na inquisição queimavam como o edifício Joelma e ela sabia que havia perdido mais um pois, por dentro, queimava como fogo e por fora pingava denso como cera de vela Ouvir sua voz era quase o mesmo que ver Helen Keller brincando de soletrar, sua tristeza era tão grande que era como se as palavras fossem pingos de tinta diluídos num copo cheio de lágrimas. A mágoa diluiu tanto seu timbre de voz que suas cordas vocais tiveram que aprender a linguagem dos sinais Mas cada vez que falava não! era como se Joana D'arc berra**e ao mundo a historia das irmãs Mirabal no meio da Marcha das Vadias, era o coro das Las Mariposas contra Trujilo e era Rosa Parks se recusando a se levantar dentro do ônibus Montgomery Cada vez que dizia não! era Nisia Floresta escrevendo conselhos a minha filha, era Madonna e Valesca Popozuda cantando sobre liberdade s**ual da forma mais explícita possível e 400 mulheres no Miss América queimando seus sutiãs Mas, numa paz talibã, cada vez que dizia não! seu coração, que era Maria da Penha, se transforma em Amina, a afegã, e o apedrejamento foi inevitável Cada tapa soava como as trancas das portas da fábrica de tecidos Cotton, e hoje, 8 de março ela morreu sufocada Silencio não é consenso. Sua história se repete em outros corpos, em outras casas, em outras comunidades Ela é a jovem indiana condenada a ser estuprada pelo crime de se apaixonar. É a garota de Nova Deli que foi violentada num ônibus e atirada dele em movimento em 2012. Ela é uma saia mais curta e a idéia imbecil de que o estupro é ou foi culpa dela. E ela é as vítimas de violência doméstica, cujo as queixas morrem como as mesmas, em silêncio, na sombra do esquecimento e beirando a inexistência Entender o feminismo é mais do que entender que uma mulher é estuprada a cada seis minutos, é mais do que entender que a cada 18 segundos uma mulher é espancada ou que três em cada quatro mulheres serão vítimas de pelo menos um crime de violência durante a sua vida Entender o feminismo é entender que algumas mães fazem papel de pais por que um homem não foi homem suficiente. É entender que o termo s**o frágil só seria utilizado se vasos de porcelana transa**em e que a cólica da TPM é uma dor reflexo causada pela postura curvada que vocês ficam por muitas vezes carregarem o mundo nas costas Entender o feminismo é compreender que viemos de uma mulher. É respeitar a história de vida da sua mãe. É ver que mulheres são capazes de despertar a inveja em Shiva, pois o que fazem com dois braços, Shiva não faria com cem. É entender que a vida de cada mulher é uma luta e que a história de cada uma, poderia ensinar para as árvores sobre o que é ser raiz. Entender o feminismo é descobrir que machismo é o reflexo da insegurança do ego masculino e que impotência não é falhar como homem e sim como ser humano. É entender que roupa jamais definiu caráter e que, onde o não termina, não necessariamente começa o sim Se Eva nasceu da costela de Adão e a costela existe para proteger o coração, feminismo é quando entendemos que essa causa é nossa, pois fomos feitos pela mesma mão. É quando a revolução tira a maquiagem e se apresenta como veio ao mundo: linda! E é quando entendemos que, se gerar vida é um dom divino e toda mulher é capaz de ser mãe, podemos deduzir que putas e freiras podem ser santas, afinal, aquelas que não derem a luz com seus quadris certamente o farão com seu coração!