Lancei ao mar um madeiro, Espetei-lhe um pau e um lençol Com palpite marinheiro Medi a altura do Sol... Deu-me o vento de feição, Levou-me ao cabo do mundo Pelote de vagabundo, Rebotalho de gibão... Dormi no dorso das vagas, Pasmei na orla das prais Arreneguei, roguei pragas, Mordi pelouros e zagaias... Chamusquei o pêlo hirsuto, Tive o corpo em chagas vivas, Estalaram-me a gengivas, Apodreci de escorbuto... Com a mão esquerda benzi-me, Com a direita esganei Mil vezes no chão, bati-me, Outras mil me levantei... Meu riso de dentes podres Ecoou nas sete partidas Fundei cidades e vidas, Rompi as arcas e os odres... Tremi no escuro da selva, Alambique de suores Estendi na areia e na relva Mulheres de todas as cores... Moldei as chaves do mundo A que outros chamaram seu, Mas quem mergulhou no fundo Do sonho, esse, fui eu... O meu sabor é diferente Provo-me e saibo-me a sal Não se nasce impunemente Nas praias de Portugal...