Filipe Ret - O Capeta? lyrics

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Filipe Ret - O Capeta? lyrics

A obra de Filipe Ret conta com diversas menções a elementos da religião cristã. O Diabo, Deus, anjos e muitos outros símbolos são utilizados para criar uma atmosfera repleta de significados curiosos que despertam questionamentos no ouvinte mais interessado. A intenção do presente texto é entender como se dá a “mensagem maior” que Ret tanto aponta em sua discografia. Essa mensagem pode ser entendida a partir de uma análise conjunta das variadas referências e alusões à simbologia do cristianismo e do discurso anti-moralista que é tão presente na obra do rapper. Nesse contexto, entender a Igreja como um dos maiores agentes do moralismo — corrente que o rapper tanto despreza — é fundamental para compreender esta mensagem. A relação entre a obra do rapper e a mitologia cristã pode começar a ser entendida de melhor forma quando an*lisamos o conceito de “Diabo” — também compreendido como Satanás, Lúcifer ou "capeta". Trata-se de um nome que se destaca, dentre os muitos símbolos mencionados, porque ele é exposto de várias formas. Anjo de luz que foi expulso do céu por tentar destronar Deus, o Diabo é um personagem central na fé cristã. Utilizando-se do terrorismo, a Igreja concentra nele tudo que é profano, que colide com os dogmas pregados pela cristandade. É o símbolo do mal. Diante desse contexto, a frequente menção de seu nome na obra de Ret faz com que o rapper receba críticas pesadas quanto a relação que ele faz. A primeira aparição de elementos simpáticos a essa ideia começa cedo, com o single e hit "Neurótico de Guerra", canção recheada de mensagens subliminares e metáforas, onde o rapper exprimiu seu potencial poético e que compõe o álbum Vivaz (2012), sendo a faixa 2. Do submundo vou subverter A pa**agem pode ser discreta, mas o termo "submundo" guarda significados bem extensos e diversos que podem se adequar a essa percepção. Tendo em vista a já mencionada expulsão de Lúcifer do céu, parece lógico entender o submundo se refere ao Inferno, lugar onde o personagem em questão habita. Evidente que, como anjo caído e renegado pelo "divino", o personagem com o qual Ret se relaciona precisa arquitetar sua vingança e orquestrar sua rebeldia a partir do "submundo", terra sem lei negligenciada pela sociedade. Além disso, a vingança nesse contexto também pode se relacionar com a mensagem, já que é dito e aceito que Lúcifer jurou vingar-se de Deus depois de ter sido expulso do céu. Em seguida, atravessando "D.U.T.U.M.O.B.", entramos de cabeça na música de cunho mais espiritual de toda a obra do artista. "Réus" é um ode a fé desde o nome, pa**ando pela base e chegando, é claro, à letra. O refrão da canção é, indiscutivelmente, a parte mais explícita de toda sua arte no que tange ao sentimento de expulsão que o artista tem. Me expulsaram do céu Inimigos são troféus Anjos caídos são réus Apesar da claridade com que as ideias foram expostas, é importante frisar novamente a repetição das ideias que formam a mensagem maior: A expulsão do céu que mais tarde vai virar auto-proclamação no Revel; A falta de medo e o desejo por vingança, custe o que custar; Uma tentativa, ainda tímida, de se colocar como o anticristo que o diabo é. Parte importante que sintetiza muitas ideias presentes na filosofia retiana. Além disso, colocada em um refrão, impregnou-se e se fez conhecer de forma vasta pela multidão que ouviu o Vivaz. Agora pulando um pouquinho à frente até a faixa "Libertários Não Morrem" para fazer uma conexão entre o último trecho exposto e uma parte dessa canção, que diz: Não sou padre, irmão, nem pastor, rapá Eu não tenho a menor pretensão de te salvar Nota-se que até a forma com que a filosofia é colocada se a**emelha nas duas linhas: Duas negações consecutivas, prevenindo-se de quatro rótulos e interpretações que o artista não gostaria de unir aos outros que ele já tem. E se anteriormente Filipe Ret lavava as mãos diante das religiões populares, desta vez renega a posição de salvador da pátria que os rappers carregam consigo. Dando seguimento à música, lê-se logo após: "Eu não tenho a menor pretensão de te salvar". Se algum dia, como parte integrante da "corte divina", ele tinha a missão de salvar vidas, guardar a honra, garantir respeito, trazer esperança e civilidade à raça humana, deste fardo foi liberto ao ser expulso do céu. Pa**ando para a próxima faixa, a "Nova Sorte", essa ideia de que todos os elementos constituem uma mensagem maior se torna cada vez mais clara: Cê precisa ser no mínimo Deus pra me julgar Além da possível alusão à "Só deus pode me julgar", há uma interação direta com a mitologia cristã justamente pela história de Lúcifer. Ele foi julgado por Deus, expulso do céu (mais uma vez a noção de "Réus" se faz presente, como já exposto anteriormente). Como entidade, é um ser superior e só pode ser julgado pela divindade criadora. an*lisando agora a última faixa de Vivaz (2012), a “Devaneios Retianos”, há pelo menos duas pa**agens que valem a pena serem mencionadas aqui. Deus criou os fracos e fortes, mas o lance Foi que o Diabo inventou o rap pra haver revanche Como se pode perceber, Ret se refere ao diabo como um agente exterior, em terceira pessoa. A questão na linha é a apresentação do rap como criação do Diabo. Partindo da interpretação de que a revanche é oriunda dos fracos contra os fortes, ela se torna muito mais do que isso. Ela se torna uma ferramenta contra as próprias ações de Deus — aí entra a subversão e oposição ao moralismo mais uma vez. Outra pa**agem notável é a seguinte: Poetas são rebeldes natos, anjos caídos Mais marginais que qualquer bandido Aqui há uma generalização da a**ociação com anjos caídos para todos os poetas. Essa pa**agem se diferencia, porque revela que, na verdade, não é só Filipe Ret que é um anjo caído, mas sim todos os artistas e poetas, que também se opõem ao moralismo. Seguindo essa interpretação, é possível pensar que eles são “mais marginais que qualquer bandido” porque eles são marginais em relação a Deus, justamente por terem sido expulsos do céu e excluídos do divino — mais ou menos como acontece com marginais da sociedade. É por isso que “Não Existe Poesia Sem Pecado”, como diz a música que seria lançada três anos depois. Aqui mais uma vez a mensagem se repete: Ret, como poeta, como anjo caído, está ligado a valores que opõem o moralismo, simbolizado por elementos do cristianismo. Eis que Vivaz termina, três anos se pa**am e um novo álbum é lançado. Ao se an*lisar Revel (2015), percebe-se que a tal mensagem maior, que antes foi exposta de forma um tanto indireta, se apresenta de forma mais explícita e talvez mais profunda. A primeira pa**agem que se relaciona com ela aparece logo na primeira faixa, a “Chefe do Crime Perfeito”. Que a Babilônia não caia Porque eu sou a Babilônia Além da clara referência à queda da Babilônia, vê-se também uma relação direta entre Ret e a mesma. Sabemos que a Babilônia era uma grande cidade que existiu antes de Cristo. Seu nome se repete mais de duzentas e cinquenta vezes na Bíblia, e é entendida em geral como um símbolo da oposição a Deus, entre tantos outros, devido ao alto número de hebreus escravizados e presos pelo império babilônico. Há inclusive grande debate entre uma possível relação entre Lúcifer e a cidade, o que sem dúvidas interage com a obra de Ret. Focando na pa**agem, autoproclamar-se “a Babilônia” significa dizer que se é a personificação da subversão a Deus, o que torna mais clara a mensagem subjetiva que o rapper pa**a. Na faixa “Isso Que É Vida”, outro aspecto importante dessa mensagem também se repete, se relacionando diretamente com a ideia exposta anos antes, na “Devaneios Retianos” e na “Réus”. Mente revel, revela: Fui expulso do céu Deus perdoe esse poeta inconsequente Na faixa “Coração Vagabundo” vemos outra pa**agem que também se relaciona com "Devaneios Retianos", especificamente com as primeiras linhas an*lisadas. No trap ou boom bap, o Diabo é o pai do rap Em "Glória Pra Nós" aparece uma noção inédita até aqui. Trata-se da certeza de que um dia ele voltará ao céu, legitimado pelo perdão divino: Deus, quando eu voltar pro céu Perdoe essa alma Revel Apesar de existir aqui um distanciamento da a**ocição direta entre ele o próprio Lúcifer - como será an*lisado na próxima pa**agem -, a ideia da subversão não deixa de estar presente, sendo a principal causa do pedido de perdão a Deus. É em "DUTUMOB II" que está a pa**agem que mais escancara, em tom agressivo, a a**ociação que Ret faz com o Diabo: Ando possuído, olha dentro dos meus olhos pra entender Na santa missão vocês são pastores de igreja Sou proibidão, a pimenta desse arroz com feijão Eu sou o capeta! Se até esse ponto em sua discografia ele era um “poeta anjo caído” e um “anjo expulso do céu”, aqui ele se torna o próprio anticristo — um símbolo nato da subversão contra o moralismo. O eu-lírico da obra de Ret se apresenta como um ser híbrido que se divide entre o próprio anti-cristo e um mero agente subversivo. De qualquer forma, a mensagem se mantém. O rapper utiliza os elementos da mitologia cristã para expressar sua condição existencial artística de subversão ao moralismo. Concluímos, portanto, que grande parte do conteúdo lírico do rapper Filipe Ret compõe uma mensagem maior relacionada com o uso dos conceitos do cristianismo — mais especificamente com a figura do Diabo — para expressar a sua condição existencial como artista de subversão ao moralismo. Se em Vivaz (2012), essa ideia é exposta de maneira um tanto tímida, subliminar e escondida, em Revel (2015) ela toma uma expressão muito mais nítida e, de certa forma, agressiva. Enquanto Ret se divide entre ser anjo caído, ser pessoa possuída ou ser o capeta em si para se proclamar um oponente da moral com sua arte, fica claro que sua obra traz mensagens significativas e densas em conteúdo para análise e interpretações diversas. Relativização: Dada a subjetividade e as extensas possibilidades de interpretação de pa**agens bíblicas, torna-se necessário esclarecer que consideramos que a origem do personagem conhecido como Satanás se encontra na noção de que ele era um anjo caído que foi expulso do céu. Apesar de esse ser um entendimento bem difundido entre cristãos do mundo inteiro, há os que defendem que é impossível atingir essa conclusão através da Bíblia. Portanto, relativizamos.