Letras narram as realidades dos arredores de Brasília A Tribo da Periferia levou o rap brasiliense a conhecimento nacional
Parte do chamado movimento hip-hop, o rap surgiu em meados da década de 1980 e hoje ganha cada vez mais espaço. E a cena não é diferente quando se olha ao redor, aqui nas ruas do Distrito Federal. Conhecido como uma cultura de periferia, o rap ganhou vida e cresceu nas cidades satélites e no entorno.
Nas mais diferentes frentes do rap, alguns escolhem falar sobre as coisas boas que vivenciam e outros preferem as críticas ao sistema. As letras falam da realidade de desigualdades socioeconômicas, convivência com bandidos e drogas, a violência dentro da comunidade e também por parte da polícia, mas também sobre as festas e mulheres.
O estilo dá voz a diferentes realidades e mostra uma outra visão dos acontecimentos. “Chega um momento que você tem necessidade de falar, de gritar para o mundo a sua verdade, denunciar o que você está vendo através do seu ponto de vista”, explica o rapper Henrique QI, do grupo Quadrilha Intelectual. Ele completa: “Por mais que a gente que a gente (do movimento hip-hop) se identifique com o pensamento dos outros e venha do mesmo lugar, nós temos opiniões e queremos expor isso”.
Mais do que mostrar o que acontece ao redor de brasília, o rap levou a voz dos moradores do quadradinho do Plan*lto a grandes palcos do país. Daqui saíram nomes nacionalmente conhecidos como o rapper GOG, o grupo Viela 17 — que já tem com mais de 20 anos de carreira — e, o mais recente, Tribo da Periferia. Mas todos eles começaram nas ruas do DF, a**im como outros jovens que tentam ganhar espaço hoje.
“Maloqueiro da quebrada”
Criada no fim da década de 1990 por moradores do bairro Jardim Roriz, em Plan*ltina, a Tribo da Periferia é hoje uma referência de rap nacional. O grupo estourou com músicas como Entre a vida e a morte e Carro de malandro e agora conquista cada vez mais público com hits como Alma de pipa, Ela tá virada e Valores.
Como banda de rap, a Tribo também traz experiências nas letras. Em Valores o grupo fala sobre a desigualdade social por meio da história amor entre duas pessoas que vivem em realidades muito diferentes no DF. “Eu sou da favela, ela é lá do Park Way. Eu na rua de terra, ela na Z4 do pai. Eu no corre na quebra e ela nas aulas de inglês.”
O grupo tem também músicas que falam sobre rotinas comuns aos jovens da periferia que, para se divertir, saem de casa rumo ao Plano Piloto em busca de shows e festas. A canção Ela que decide também mostra que os jovens costumam ir de um lugar para o outro e vivem coisas diferentes em cada lugar do DF ao saírem com as “dona em Brasília”.
“Destino traçado”
Crescidos no Recanto das Emas, os amigos Henrique, Eduardo e Tiago formaram o grupo Quadrilha Intelectual. Hoje conhecidos como Henrique QI, Calando QI e DJ Liso, respectivamente, eles lançaram o primeiro álbum, Tabuleiro, em 2016 de forma independente para mostrar aquilo que eles vivem desde a infância na periferia. “Aqui as mães saem de casa às 5h para criar os filhos da elite enquanto os filhos delas tem os direitos violados desde o nascimento”, ressalta Henrique QI.
Com abordagens diferentes, o grupo fala sobre a realidade vivida pelos moradores da cidade de origem deles, mas também dos arredores. E muitas vezes as letras refletem o que acontece do outro lado do DF e do país. “A princípio, nós queríamos falar sobre a 303 do Recanto das Emas, mas com o amadurecimento a música acabou falando de uma coisa maior”, explica Henrique sobre Capital da ilusão, que retrata a desigualdade social, violência policial, problemáticas políticas e relações de poder. “É uma explosão de muitas coisas.”
Outra canção do disco que apresenta um aspecto pouco discutido é De irmão pra irmão. Um simples diálogo entre irmãos — que na cultura hip-hop não precisam ser de sangue, mas são amigos e parceiros — que narra a guerra entre quadras muito presente na Santa Maria, Paranoá e Plan*ltina. Em alguns locais de forma mais agressiva e em outros menos, a situação mata grande número de jovens e envolve outros no mundo do crime e do tráfico.
Henrique, que também trabalha como educador social em uma ONG, ressalta a participação da polícia nas guerras. “Eles pegam um adolescente e fazem o que eles chamam de ‘abordagem policial', veem que ele está desarmado e solta na quadra rival. A polícia tem um papel fundamental na morte das crianças e adolescentes dessas regiões. Quando a PM do DF pa**a da 38 a ponto 40 a 38 vai para o entorno e volta na mão desses jovens.”
“Um sonho não pode morrer”
“Um sonho não pode morrer atrás de um balcão”. O pensamento acompanha Gustavo desde os 13 anos, quando ele começou a cantar. Hoje com 25 ele, que cresceu na Cidade Ocidental, entorno de Brasília, conquista espaço no cenário do rap nacional, mas não deixa as raízes para trás e mostra isso na sua nova música, Lembranças, que será lançada em 8 de agosto.
Conhecido como Hungria, ele escolheu falar sobre o lado bom da periferia, e é conhecido por músicas como Dubai e as parcerias Insônia, com a Tribo da Periferia, e Rolê na city, com Pacificadores. Na nova letra, o rapper resgata a história da sua vida e mostra o menino da cidade do entorno que sempre quis trabalhar com música e sonhava com uma melhor qualidade de vida.
“Minha música fala em sonhos, autoestima, mostra que a gente pode alcançar o que quer. Mas também critica o fato de que a gente liga mais para o exterior, para como as pessoas se vestem”, explica o cantor que também diz fugir um pouco da linhagem do protesto. “Os meios de comunicação já mostram muita coisa ruim, eu quero mostrar que nem tudo é violência.”