Chamaram a atenção dois anúncios de shows em São Paulo no final de 2014: Racionais MC's no Espaço das Américas (lugar para 8.000 pessoas) e Criolo, como sempre, em alguma unidade do Sesc.
Ambos são expressões da periferia da zona sul paulistana. Os Racionais, na estrada desde os anos 90. Criolo, ex-sambista, se destacou como rapper a partir de 2011. Os Racionais lançam o álbum "Cores & Valores", o primeiro de inéditas em 12 anos. Criolo também tem trabalho novo, "Convoque Seu Buda".
Improdutivos, irascíveis, fora de controle, na contramão do "mercado", os Racionais construíram uma base de fãs no mundo real. Seus shows lotam de gente que pagou ingresso para valer, sem preço subsidiado.
Tenho dúvida se a cena da "nova MPB" da qual Criolo faz parte existe nesse mundo de verdade. Onde ela vive, aí sim, é nas páginas de jornais e revistas, nos blogs de "jornalistas" e "críticos" amigos e nas unidades do Sesc espalhadas pelo Brasil.
Mas fazer sucesso no Sesc é fazer sucesso de verdade? É uma discussão delicada, porque não se podem negar os enormes benefícios, que já duram décadas, trazidos pela programação musical dos Sescs.
Um programa de TV fundamental para a minha geração, "A Fábrica do Som", na Cultura, era apresentado por Tadeu Jungle do Sesc Pompeia, para ficar em único exemplo entre dezenas.
O argumento a favor do Sesc é que, se não fosse por ele, muitos músicos de talento não teriam onde se apresentar. Da banda indie australiana com meia dúzia de fãs a essas figuras da "nova MPB". Dos veteranos do samba e do manguebeat aos moleques doidões de som experimental.
Mas a visão contrária é igualmente válida. Ela diz o seguinte: não existem opções ao Sesc porque o Sesc não deixa que existam. É uma estrutura tão milionária de subsídios, que pode pagar cachês fixos e cobrar ingressos tão baratos, que destrói o que há em volta. Um oásis a transformar em deserto o seu entorno.
Essa crítica à política cultural dos Sescs (como neste texto do colega André Barcinski) tem base sólida na realidade. Em São Paulo, por exemplo, a cena de Criolos, Emicidas, indie sambinha e similares só tinha força, além do Sesc, em duas casas de porte médio e mesmo dono, na rua Augusta: o Studio SP e o Comitê Club. Ambas fecharam (a segunda durou só seis meses).
No Rio, o Studio RJ, muito "hypado" pela tropa de sempre, em um ponto valorizadíssimo entre Arpoador e Ipanema, tem portas cerradas desde fevereiro de 2014 ("para obras", segundo a conta oficial no Twitter).
Que eu me lembre, só fui a um show no ano pa**ado, o da banda colombiana Bomba Estéreo, de cúmbia eletrônica. E foi justamente em um Sesc, o do Belenzinho, zona leste de São Paulo. Não conhecia. De cara me espantei com a suntuosidade, uma piscina não muito menor do que o mar Cáspio. Quem constrói algo daquelas dimensões e qualidade tem muito dinheiro para gastar - não há como fugir dessa conclusão.
Como nada é perfeito, o show foi em um ambiente estranho, um refeitório gigantesco e frio, apesar do nome "modernex": comedoria. Os ingressos, baratíssimos como sempre, estavam esgotados (como em tudo no Sesc, onde o público não é necessariamente do artista, mas do próprio Sesc e de seus eventos quase gratuitos).
Mas, imagino que por razões de segurança, a lotação, ainda que máxima, deixava enormes vazios. Calculo que em uns 70% do espaço não havia ninguém. Outra conclusão inescapável: aquele refeitório - desculpe, comedoria - não tinha nada a ver com o Bomba Estéreo. Não é lugar para show, nem aqui, nem no Belenzinho, nem em Bogotá.
O mesmo acontece com outras bandas de rock estrangeiras que, acostumadas em seus países a clubinhos para 150 pessoas, quando vêm ao Sesc tocam nesses refeitórios nada a ver ou nos teatros da instituição, para uma audiência respeitosamente sentada. Só no Brasil isso deve acontecer.
Goste-se ou não dos Racionais MC's, é inegável que eles sobrevivem muito bem de uma plateia que aceita pagar preços justos para vê-los. Criolo e congêneres dependem da rede de proteção paraestatal oferecida pelo Sesc.
Não duvide: esta é uma discussão importante.