[Verso 1]
Todo dia, o mesmo horário: 4-0-1 é o meu itinerário
A mesma lotação, lotada de solidão
Companheira da aflição que sufoca meu coração
Eu, um simples cidadão, um imigrante nordestino
Infelizmente, só eu e meu filho
Fiquei viúvo, vendi tudo e vim pra cá
Com a ilusão de que o Sudeste é o lugar
Pra ficar rico? Aham! Sei que não dá
Eu só queria ver meu filho estudar, talvez se formar
Quem sabe ser doutor, que foi o que faltou quando a mãe dele nos deixou
3000 mil quilômetros fugindo dessa dor, mas de nada adiantou
Olha pra mim, o que eu sou: simplesmente refém do meu destino
Não reconheço nem mesmo o meu menino
Um estranho no ninho, a**im é meu filho
A tal da droga é mesmo coisa do diabo
Vivemos juntos, porém separados
O abismo do crack é um obstáculo difícil de transpor
Mas tenho fé no meu senhor
Eu consigo atravessar, olho pra lá
Vejo os brinquedos, começo a me lembrar
Daquela cena: ele brincando no sofá
Com seu carrinho vermelho daqueles de bombeiro
Pra que bombeiro, irmão?
Se não há nada nesse mundo capaz de apagar
Quando a saudade vira fogo e começa a queimar
Se eu tivesse o talento, se eu fosse o dono do tempo
Eu mudaria tudo que já foi pra ser a**im: outra vez nós dois
[Refrão x2]
Quando ser outra vez nós dois
Vai chover pingos de amor
[Verso 2]
Pai, que saudades eu sinto
O tempo tem hora que é inimigo
Eu vejo as crianças, as pessoas, o mundo
Fico parado imaginando o futuro
Aqui é obscuro, ninguém é ninguém
Só a pedra de crack me faz bem
Eu, mal pra ser sincero já nem sei ao certo
Só sei que faço parte desse inferno
É difícil, pra mim é complicado, ser escravo, servo do Diabo
Trocar a noite pelo dia e vice-versa
Pintar com sangue maldade na tela da vida
Pai, o senhor não imagina o que é overdose de c**aína
Como são as pessoas sentindo pena de você
Única regra: matar ou morrer
Sobreviver viciado é difícil
Amor? Hã! Impossível
Não tenho compaixão, veja bem, por ninguém
Pela droga já roubei, já matei
Já fiz mãe chorar, já chorei por dentro
Fazer o que, truta, é, só lamento
Pai, me perdoa eu não quis jamais te fazer infeliz
Eu tô olhando a sua foto na carteira
No coração a mágoa, a tristeza
O rancor, o ódio, o medo, eu não sei
Talvez o amor pra me fazer um bem
Se eu tivesse, enfim, o talento
Se eu fosse, se pá, o dono do tempo
Eu mudaria tudo que já foi pra ser outra vez nós dois
Outra vez nós dois; pai, outra vez nós dois
[Refrão x2]
Quando ser
Outra vez nós dois
Vai chover pingos de amor
[Verso 3]
Desesperado, não sei mais o que faço
Meu filho desandado, dentro do barraco, só desgraça
Até a aliança da sua mãe virou fumaça
Segundo domingo de maio comemorou tendo um ataque seguido de desmaio
Meu peito arde, quantos moleques se matando pelo crack
E os traficantes nas mansões, nos Audis
Eu me refiro a alta patente, não a gente da minha gente
Os guerreiros sobreviventes, soldados do morro, estilo Zorro
Defendendo seu reino, seu lar
O capitalismo, consumismo leva o homem a matar
Então, vou confessar, tô disposto a mergulhar
Vou acender uma pedra e viajar pro mesmo lugar onde meu filho está
Quem sabe a**im ele consiga entender que eu tô com ele pra viver ou morrer
Que eu tô com ele, irmão; que eu tô com ele pra viver ou morrer
[Verso 4]
Meu Deus, por favor, o que é que é isso?
Me sinto um monstro, um lixo em ver o meu pai nesse estado agonizando, alucinado
Me olhando e chorando, dizendo pra não esquecer que me ama
Eu sinto um nó na garganta
Meu corpo treme eu já não me controlo
No olhar lágrimas, remorso
A minha mente entra em colapso profundo
Meu filho, "eu te amo acima de tudo"
Palavra repetida que me toca
Nesse momento eu sinto nojo da droga
Liberto pelo pai em todos os sentidos
Não prevalece sobre mim o inimigo
Vamos embora, pai, o senhor me salvou
No coração acabou o meu rancor
Vamos ser outra vez nós dois
Pra chover pingos de amor
Só nós dois pra chover pingos de amor
[Refrão x4]
Quando ser outra vez nós dois
Vai chover pingos de amor