[Verso 1: Eduardo]
Me recordo de uns anos atrás, os tempos de criança
O sonho dos brinquedos, a inocência, a ingenuidade, a minha infância
Um mundo limpo na ponta dos dedos
Um futebol na quebrada, as brincadeiras, mil risadas, valia mais que qualquer dinheiro
Nem me ligava no desespero que me rondava
Uma coroa chorando de canto, depositando na sua oração, a última esperança em cada palavra
Mal me importava se no prato dificilmente havia carne, salada ou um rango suficiente
Ou se o refrigerante era só em festa de vizinhos ou na minha mente
Ou no olhar, em qualquer bar, no copo dos outros como sempre
Ainda me lembro como a feira da goma era repetitiva
Todo Domingo frutas estragadas, tiradas do chão, até apodrecidas
Uma cama, uma TV preto e branco, um fogão
Um quarto 2x2, e uma família dividindo seus centímetros pelo chão
Na escola o motivo de risada, olhar de nojo, pode crer, ladrão
Eu tinha algo muito engraçado, as minhas roupas velhas e humildes
Ou o meu tênis sola descolada, destacando os incontáveis, inúmeros buracos
A lista de material sempre foi um tiro de PT
Preço maldito, um caderno pequeno, um lápis, é o máximo que eu podia ter
Era Natal e a bicicleta dos meu sonhos não chegou
Papai Noel era um playboy, que a gente enquadrou
No ano novo tava aí o meu presente, não desceu pela chaminé
Busquei com várias no pente, se pá já tinha me empapuçado
Daquela goma inundada com água de esgoto, daquele prato só de enfeite ali do meu lado
Eu mal tinha nascido, só que já era hora, de fazer o meu futuro ou meu enterro
No fim eu vejo se tem lágrimas, eu vejo quem chora
O cardápio é recheado de caminhos
Traficante, ladrão, viciado, mas só um destino
Outro menino que devia ir pra escola
Outro menino que devia estar jogando bola
Não derretendo no cachimbo a sua história
Nunca mais brinquedo sonhos, alegria, o céu agora é inferno, tático, revólver, paranoia
Gramas de c**aína, tênis importado, dinheiro, relógio
Uma 9 na cinta, agora essa é minha vida, adiantei meu velório
O moleque estava ali, ninguém olhou ate escorrer o sangue
Criaram um demônio e esse é seu inferno, essa é sua história... A história de um traficante
[Refrão: Eduardo e Dum-Dum]
A história de um traficante (Uma história com morte no fim)
A história de um traficante (No meu velório reze por mim)
A história de um traficante (Uma história com morte no fim)
A história de um traficante (No meu velório reze por mim, reze por mim, reze por mim)
[Verso 2: Eduardo]
É impossível não dizer que estou crescendo a olhos vistos
Me montando no dinheiro, nos artigos, também nos inimigos
Minha cabeça está à premio, querem o que é meu
O moleque cresceu e do cardápio traficante foi o que ele escolheu
Tomei de a**alto a quebrada, já faz um tempo
Sem miséria tem pedra, tem do branco à vontade e tem do preto
Vários funcionários, um em cada esquina
Fui coroado o rei daqui, o dono da c**aína
Mês que vem lançou um carro e nem é necessário
Vídeo ca**ete, TV, som, pra mim é tudo descartável
Basta estalar os dedos, vem como um imã, cai do céu
Chove noite e dia pra mim, só tenho que definir o valor quanto é em papel
Eu sou o Deus e os viciados são meus seguidores, sou o demônio e os noias são as minhas almas
As vadias fazem fila na minha porta, um de 5 ou de 10, por uma foda
Os meus amigos de infância estão no osso, só o pó, que triste imagem!
Quantos estão no veneno, na cadeia, na busca do meu crack
Semana pa**ada em um velório, parei pra pensar
Sem minha droga esse moleque que eu vi nascer, não estaria lá
Eu fui olhado com ódio, nem pude dar meus sentimentos
Uma tático descarregou sem dó, por um papel, quantos ferimentos
Chorei por dentro, é esse o lado ruim
Cocaína com bicarbonato, dinheiro dobrado, mais um triste fim
Eu enveneno porque fui envenenado
Sou consequência de um vidro no farol fechado de migalhas no prato
Não sou o primeiro nem o último do mundo
E se não fosse traficante com certeza seria um mendigo morrendo em qualquer viaduto
Eu preferi envenenar ao invés de comer lixo
Se eu sou demônio desse inferno tenho vários cúmplices comigo
É isso aí, eu me levanto fodendo os outros
Pago acerto pra polícia, compro a minha liberdade e a minha morte aos poucos
O moleque estava ali, ninguém olhou ate escorrer o sangue
Criaram um demônio e esse é seu inferno, essa é sua história... A história de um traficante
[Refrão: Eduardo e Dum-Dum]
[Verso 3: Eduardo]
Hoje o dia amanheceu nublado
Lá na esquina, mal vejo bem, mas tem um carro
Ontem não foi um bom dia, não teve lucro
Um vacilão não segurou, lançou a boca, apreenderam tudo
Pela primeira vez na vida Deus viu meu lado
Eu consegui dar fuga, me joguei pelos muros, fugi pelos telhados
Toda farinha, pedra e armamento, tudo já era
Destruíram minha goma, zoaram minha família, que merda!
O carro lá da esquina dá a partida se aproxima, e agora?
Vários revólveres na cara engatilhados, chegou a hora
É um gambé da minha folha de pagamento
Querendo o seu da semana, explicação não consta, só lamento
Até a meia noite é o prazo
Sem o dinheiro amanhã tem velório e adivinha quem é o finado?
Só criei inimigos na porra dessa vida
Agora quem estende a mão pro rei da c**aína?
Será que vou me envenenar com o meu próprio veneno?
São 9 horas, não vendi nada, nem levantei um terço do dinheiro
Já acendi a minha vela, já fiz a minha oração
Eu não dei fuga da fome pra qualquer prego me manda pro caixão
Relembro minha família todo veneno, tretas, tudo que eu atropelei
Uma vida no lixo é impossível voltar daqui do lugar que eu cheguei
Já entupi minha PT até a boca
Na hora certa o primeiro tiro na cabeça define quem segue nessa porra
Infelizmente já chegou a hora
É outra meia noite em ponto comum pra nós
E o demônio estende a sua mão
Em forma de um carango preto com vários fulanos
Morrer é em uns segundos, numa fração
Vários fulanos sedentos de sangue
Armados de PT, oitão
Jogando várias de 12
Um na cabeça, um no peito e um no rosto
E a criança miserável que perdeu na vida foi resumida a apenas um outro corpo
O sangue escorre pela calçada
E a mãe de um moleque que morreu nas drogas
Num gesto humano, com um jornal cobre a minha cara
Serei mais um inquérito em qualquer DP, jamais lembrado
Nunca apurado, esquecido
Aqui se cria o demônio, depois de abate na cadeias, nas favelas
Com rajadas de tiros
É outra história de um outro pobre brasileiro
Não interessa o caminho, é sempre o mesmo destino... Caixão, polícia, tiro, enterro
O rabecão do IML muito tempo depois vem chegando, jogado como um lixo pra dentro
A última folha da história de um traficante vai se virando
[Refrão - Eduardo e Dum-Dum]