[Verso 1]
Dez horas dentro do avião aqui sozinho
Eu voo como um pássaro que quer voltar pro ninho
Eu sempre vou e volto feito um bumerangue
Pensei que era um morcego
Mas sou eu que sempre dou meu sangue
E é o tempo vampiro que suga tudo
Suga minha alma e me transforma, forme o conteúdo
E sem escudo eu ofereço a veia e vou sorrindo
Não fico mudo, falo então tudo que eu tô sentindo
E falo tanto entre os meus voos e atropelos
Que nem escuto a voz dos fios brancos entre meus cabelos
A voz das rugas quando o rosto se contraí
Me olho no espelho e cada vez eu vejo mais meu pai
Me lembro de telefonar, saber como ele anda
Tenho que falar correndo pai, tô decolando com a banda
Cê volta quando filho? Terça, mas viajo de novo
Manda um abraço pra mãe, tô com saudade do povo
Tô com saudade de tudo, de comer sopa com ovo
Do ovo cru que cê jogava na panela quente
Naqueles fins de semana que você tava presente
E de deitar na sua cama como antigamente
E quando você via os gols ou um programa qualquer
E de repente beliscava a gente com seu pé
O caranguejo doía mas a gente ria
Eu te imitava, e o meu irmão não conseguia
Você calçava o tamanco, pega a chave do Puma
E a nossa tarde era na mesa do Dolphin com a turma
E o chope sem espuma, sem colarinho
E eu no milk shake, lembro até do barulinho
[Refrão]
Quando eu crescer e se eu queria ser que nem você
Agora eu já cresci e ainda quero ser
Eu tenho a cara do pai e tenho cada vez mais
Eu tenho os olhos do pai e o coração
Quando eu crescer e se eu queria ser que nem você
Agora eu já cresci e ainda quero ser
Eu tenho orgulho do pai e tenho cada vez mais
É muito orgulho, meu pai e gratidão
[Verso 2]
Pai, agora eu decolei guardei, meu celular
Já tô no ar, mas não me desliguei
O tempo voa e antes que ele acabe eu volto ao começo
Pra me entender e me reconhecer
Do pai que eu conheço e quero conhecer mais
Quero curtir meu coroa até a extrema unção te deram pai
Aquela foi boa
Você internado de frente pra um cemitério
Mas não perdeu a piada nem num momento tão sério
E disse olhando as sepulturas do outro lado do muro
Que quarto ótimo filho com vista pro futuro
Só você mesmo pra fazer a gente rir
E com o coração parando em plena UTI
Lembrando disso agora eu rio e reavalio
A importância da minha eterna ânsia por mais desafios
Sempre correndo, sempre ocupado na estrada
Sem perceber que, às vezes, possa tá perdendo a piada
Você me deu um toque, eu não parei pra ouvir
Mas não vou esperar meu coração parar
Pra gente se encontrar pra rir, numa UTI
Quando eu voltar vou te ligar pra combinar de almoçar
Toda família na mesa sem atender o celular
[Refrão]
Quando eu crescer e se eu queria ser que nem você
Agora eu já cresci e ainda quero ser
Eu tenho a cara do pai e tenho cada vez mais
Eu tenho os olhos do pai e o coração
Quando eu crescer e se eu queria ser que nem você
Agora eu já cresci e ainda quero ser
Eu tenho orgulho do pai e tenho cada vez mais
É muito orgulho, meu pai e gratidão
[Verso 3]
Minha memória viaja, você agora é o piloto
Uns 30 anos mais novo e eu ainda garoto
Pela BR 101 a gente vai
Já veio o réveillon e como é bom viajar com meu pai
E eu vou prestando atenção
Em como você sabe a hora certa de ultrapa**ar o caminhão
Você me explica as frases do para-choques
No toca fita uma boa MPB ou rock
Calma, Betty, calma
Cada risada que você soltava plantava na minha alma
Uma semente pro que eu tô colhendo agora
E vou continuar colhendo depois que você for embora
Me entendendo com o tempo, os ensinamentos
Que você pa**a até hoje com seu exemplo
De respeitar as pessoas e ser correto
De ser uma fonte inesgotável de carinho e afeto
De encurtar as distâncias pra ver os amigos
E de ser sempre sincero como também foi comigo
Quando me deu um castigo depois da delegacia
E hoje eu vejo que era isso mesmo o que eu queria
Queria achar um caminho e ter você mais perto
Mesmo com a cara fechada, seu coração tava aberto
Eu tinha quase morrido
Não tinha medo da morte
Mas sua cara de decepção
Falou mais forte
Assim morria o meu vício de pichador
Você matou o Pixote, pai
E fez nascer o Pensador
E muita coisa rolou te transformei em vovô
Te vi mais frágil e sério em alguns momentos de dor
E enxerguei no teu silêncio o que eu desfaço em mim
Que é uma angustia que parece que não tem mais fim
Mesmo a**im a gente brinca o tempo inteiro
E sonha os mesmo sonhos, abraçando vários travesseiros
Herdei essa mania também herdei a teimosia
E não me abro com meu velho como eu gostaria
Quando eu me sinto inseguro como um menino indeciso
Pra escutar a voz do pai que dizia "juízo"
Aquele simples aviso ainda me norteia
Como seu sangue que corre nas minhas veias
Muito obrigado por te me feito nascer
Por ter me feito crescer
Por ter me feito que nem você
Por ter me dado vitamina C
Café da manhã, o senso crítico, a ironia
Um irmão e uma irmã
Por me levar no Ryan
Tem ovo de codorna
Que por mijar no meu pé
Nos banhos de água morna
O chocolate em gramado o camarão na joaquina
Muito obrigado pelo amendoim torrado na esquina
As figurinhas e o álbum
As injeções e o remédio
Os elogios, as notas do boletim do colégio
Por me levar na vó Miriam, na vó Raquel
Por eu ser o Gabriel, filho do doutor Miguel
Por me levar no consultório pra te ver trabalhar
Por ser o grande hospital que me fez enxergar
Que a vida é boa e eu não preciso ter medo
Muito obrigado meu pai por me contar seus segredos
E confiar em mim
Como eu confio em você
Quando eu voltar vou te ligar ainda tem mais pra dizer
[Refrão]
Quando eu crescer e se eu queria ser que nem você
Agora eu já cresci e ainda quero ser
Eu tenho a cara do pai e tenho cada vez mais
Eu tenho os olhos do pai e o coração
Quando eu crescer e se eu queria ser que nem você
Agora eu já cresci e ainda quero ser
Eu tenho orgulho do pai e tenho cada vez mais
É muito orgulho, meu pai e gratidão