Tu disseste "quero saborear o infinito" Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis" Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados" Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar" Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo. recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta" Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala" Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir" Eu disse "..." Eu disse "o que é que isso interessa?" Tu disseste "...nada" Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon. escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo.
depois queimo tudo e prossigo a minha busca" Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede" Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?" Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se pa**a nada" Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês" Eu disse "o que é que isso interessa?" Tu disseste "...nada" Eu disse "o que é que isso interessa?" Tu disseste "...nada"