Nasci no ano errado, na parte errada da cidade
A avó e a doença dela são gritos no quarto ao lado
E eu quero dormir, mas nestas carcaças não cabem pássaros
é a fugir ou a tremer que as mãos dela agarram maços
... e ela sopra a morte aos poucos
Naquele fumo branco que invade o mundo e me deixa rouco
Os gestos são dos loucos. e os lábios seda gasta
O pouco na mesa não basta: a pobreza que chega e te afasta
E te mata...
E há pontes sobre Tejo, pontos do meu medo
Infinitos como nós e como o tempo
E eu nasci no ano errado, 7 de Março e o tempo
Constrói o inventário das poucas coisas que temos
à noite no Saldanha regressados do cinema
Nós esquecemos por inteiro todas as coisas que lemos
Uma dança que só flui entre dois corpos tão finitos
Num amor que se dilui entre o grotesco e o bonito
E há monstros que nós comem o coração e interiores
Os corpos são um do outro: decoração de interiores
Pontes sobre o Drina, pontes sobre o Tamisa
Solidão em casas tão cheias que crias
E sem saber o que se pa**a lá fora na terra
Sei que aquilo que vem do nada ao nada regressa
E isso basta. as ma**as são tão loucas e eu sei
Então obrigo-me a escrever mesmo sem me ler ninguém
E ela jura tanto, tanto, mas tanto que a vida é bela
E eu de olhos tão cerrados até acredito nela
E não no metro. cegos apressados para o trabalho
E as ordens que tu me berras não valem o meu ordenado
Casas em Veneza, afogam-te a tristeza
Tu és delicadeza entre o mal da realeza
Nasci na casa errada, 7 de Março e neste bairro
Onde a tua pele se arrasta em tudo aquilo que é errado
E demoramos na maldade e nela criamos vícios
Vê a vida chegar a velha só com o ordenado mínimo
E as flores que acalmam dores, são pedras ou são lírios?
Tu leva-me para onde fores: as tuas quedas têm sítios
Sereno que a vida é monstra e acalma-me para não ruir
Os teus dedos tapam-me a boca para a alma não me fugir
Barcos sobre o Sena, navegam em rios de pedra
7 de Março cedo chega, leva as coisas que me restam