EXT. CASA DE ALMEIDINHA - DIA 1
Abrimos com a imagem de um FACÃO sendo afiado.
CARACTERES em superposição: 1981
Ouve-se o murmúrio de VOZES alegres, vozes CANTANDO um samba acompanhado de um BATUQUE. Não vemos as pessoas. Mas os sons deixam claro que se trata de um ambiente festivo.
A letra do samba tem como tema: comida. MÃOS NEGRAS amarram com um barbante a PERNA de um GALO.
O galo é imponente e vistoso. Alternamos o galo --incomodado por ter a perna amarrada -- a imagens que sugerem a preparação de um almoço: ÁGUA FERVENDO numa enorme panela.
O galo parece reagir à imagem anterior. Batatas sendo descascadas por MÃOS de uma mulher negra.
O galo reage como se entendesse a situação: vai virar comida.
GALINHAS MORTAS sendo depenadas por MÃOS de mulheres negras. O galo reage. Ele tenta libertar a perna amarrada ao barbante.
MÃO masculina negra percute o couro de um pandeiro.
A letra do samba faz referência explícita ao tema comida.
O galo parece entender que seu fim está próximo.
Um FACÃO sendo afiado por mãos negras masculinas. A faca vai
CRESCENDO, tornando-se cada vez mais ameaçadora.
O galo se desespera. Luta. E escapa.
ALMEIDINHA, o negro que segura o facão, percebe a fuga do galo e
dá o alarme.
ALMEIDINHA
O galo fugiu!
Pela primeira vez, vemos a casa de Almeidinha do lado de fora.
Trata-se de um lugar pobre, uma casa de alvenaria da Cidade de
Deus. A festa está acontecendo no quintal. A fuga do galo provoca um grande ALVOROÇO entre os convidados: na maioria homens, JOVENS, NEGROS e MULATOS. Apenas alguns são BRANCOS. Estão quase todos de calção e chinelo. Dezenas de bandidos saem correndo atrás do galo. Eles fazem parte da quadrilha de Zé Pequeno. Todos berrando:
(CONT.)VOZES DOS BANDIDOS
Pega o galo, pega o galo!
EXT. RUA PRÓXIMA - DIA 2
BUSCA-PÉ, o narrador da história, tem nas mãos uma câmera
fotográfica profissional. É negro e tem aproximadamente 18 anos.
Ao lado dele o amigo BARBANTINHO.
Eles caminham por uma rua do conjunto
BARBANTINHO
Aí, Busca-Pé... Tu acha mesmo que os cara
vão te dar emprego no jornal se tu
conseguir tirar essa foto?
BUSCA-PÉ
Eu tenho que arriscar.
BARBANTINHO
Porra! Tu tá arriscando é a vida. Por causa
de uma foto, mermão! Dá um tempo!
MONTAGEM PARALELA
Intercalamos a conversa de Barbantinho e Busca-Pé às imagens dos bandidos perseguindo o galo pelas vielas da Cidade de Deus:
VIELA - BANDIDOS
Com ZÉ PEQUENO -- gordinho, pescoço socado e cabeçudo -- à
frente, os bandidos perseguem o galo pelas vielas da Cidade de
Deus. Os bandidos estão se divertindo com a situação.
Zé Pequeno aparece em close imediatamente após Busca-Pé dizer
“daquele filho da puta”.
A perseguição é cheia de peripécias, com o galo "dando um baile"
nos perseguidores.
Durante a perseguição, pa**amos por alguns dos caminhos
tortuosos da Cidade de Deus: casas simples, algumas casas muito
pobres, ruas mal cuidadas, moradores na maioria negros, pobres
e ASSUSTADOS com a correria dos bandidos.
RUA - BUSCA-PÉ E BARBANTINHO
BARBANTINHO (CONT.)
Na boa, Busca-Pé. Eu acho que os cara do
jornal tão de sacanagem. Eles nunca vão te
dar emprego.
BUSCA-PÉ
Pô, Barbantinho. Se conseguir essa foto, eu
vou ficar na moral com os caras, tá
entendendo?
(CONT.)BARBANTINHO
Tu tá falando dum jeito que parece até que
a gente tá num episódio da Missão
Impossível.
BUSCA-PÉ
Pior é que é.
VIELA - BANDIDOS
Zé Pequeno, ao dobrar uma viela, tromba com um VENDEDOR de
PANELAS. Zé Pequeno cai no meio das panelas. Dá sua RISADA FINA,
ESTRIDENTE E RÁPIDA.
Ele se levanta, e começa a ESPANCAR violentamente o vendedor de
panelas.
Zé Pequeno tira de trás do calção uma PISTOLA. Parece que ele
vai matar o coitado. Mas, em vez disso, aponta o revólver para o
alto, e dá a ordem:
ZÉ PEQUENO
Senta o dedo no galo!
Imediatamente, todos os bandidos sacam suas armas e correm atrás
do galo, que está se aproximando cada vez mais a uma esquina.
RUA - BUSCA-PÉ E BARBANTINHO
BARBANTINHO
Porra, Busca-Pé! Vamo sai saindo. Se tu
encontrar o cara? Ele deve tá querendo te
matar.
BUSCA-PÉ
Barbantinho, se liga: a última coisa que eu
queria na minha vida era ter que ficar cara
a cara com aquele bandido de novo.
Neste exato momento, as duas ações paralelas se encontram: o
galo vira a esquina. E atrás dele surgem Zé Pequeno e sua
gangue.
Barbantinho arregala os olhos. Busca-Pé levanta um pouco a
câmera fotográfica em direção ao olho mas não consegue levar o
gesto até o final. Ele fica paralisado, olhando para Zé Pequeno
que aponta a arma para Busca-Pé e grita:
ZÉ PEQUENO
Segura o galo.
Busca-Pé a**ume a pose de goleiro, fica meio abobalhado,
tentando agarrar o galo, que pa**a no meio das pernas dele.
Uma MULHER que empurra um carrinho de bebê vê a cena e se afasta
apressadamente.
(CONT.)Zé Pequeno avança em direção a Busca-Pé.
Busca-Pé está apavorado. Barbantinho, paralisado.
Zé Pequeno pára de repente. Todos os bandidos apontam suas armas
para alguém que está atrás de Busca-Pé.
Busca-Pé olha para trás e vê uma PATRULHA de 6 policiais.
À frente da patrulha está o detetive Cabeção -- nordestino e malencarado.
Busca-Pé ainda na pose de goleiro desajeitado. A imagem congela.
BUSCA-PÉ (V.O.)
Na Cidade de Deus, não dá pra saber o que é
pior: encarar os bandidos ou a polícia. É
um bangue-bangue sem mocinho. E sempre foi
a**im... Desde que eu...
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