[Verso 1] O que seria de mim se eu fosse rico, eu me pergunto Iate, mulheres lindas, o mundo Eu já teria conhecido de trás pra frente Famoso, feliz, irreverente É porque, às vezes, eu vejo o Chiquinho Scarpa O Silvio Santos, o Gugu, uma pá de cara Fico calado, somente imaginando O mundo é redondo e quanta gente tá me olhando Ao mesmo tempo como eu olho pra TV Procuro explicação, hãhã, não consigo entender Parece até que eu to ofendendo quem me olha A minha roupa é suja, a madame me ignora Hã, pa**a por mim como se eu não fosse nada Como se eu fosse uma lata caída na calçada Pois é, veja bem a lata tem valor, pelo menos Pro mendigo aqui é só desprezo Só fim de feira: fruta podre do Ceasa, meu deus! Banho: o chafariz da praça Eu não tenho nada, não sou ninguém Sou apenas mais um no mundão, com família, porém Nordestino, há mais de dez anos em São Paulo Clandestino do sistema, hoje eu sou o alvo De uma pá de injustiça da sociedade Quantas vezes na cadeia, preso por vadiagem Sem trabalho, o homem é sem valor Mesmo sem valor, no peito só a dor Minha fé no senhor nunca acaba nem se abala Sente pena ou da risada? Humilham meus filhos com palavras É triste conviver com a mágoa A minha casa é o chão gelado da calçada, que você cospe quando pa**a [Refrão x2] Eu moro lá no fim da rua onde tudo é escuro demais Escuro demais... [Verso 2] Se eu mora**e na favela ou num barraco, enfim Talvez eu fosse mais feliz Talvez os meus filhos fizessem castelos de areia Teriam amizades e não doenças Talvez não apanha**em da polícia Porque criança na verdade é sem malícia Tem gente que pergunta pra mim como eu vivo, como eu sobrevivo na rua com mulher e filhos Pedindo esmola, trabalho ajuda, catando ferro velho e papelão pela rua É triste, senhor, a alma e o coração tremem: ver seu filho chorando por falta de leite Reclamando de frio em dia chuvoso, abala o meu sistema nervoso A mãe Severina, escuto sua fala Abençoe o meu caminho, abençoe a minha estrada Me proteja do mal que o diabo quer pra mim Apareça, enfim, como um anjo querubim E me guia, mesmo se for pela miséria Faz meu coração ser amor nesse chão de terra Lá no lixão onde o Brasil é de verdade Onde o Ratinho outro dia fez reportagem Usou a minha imagem pra ganhar Ibope Pra se pa**ar como santo pra milhões de pobres
Taí, mendigo, famoso aquele dia, é Pra você ver, mano, eu dei até entrevista Vou te falar um negócio, mas não se a**usta Ta de pé? Senta na cadeira e se segura A minha vida é pior que o cemitério Pelo menos lá tem flor, pra mim só sobrou o resto Do resto, que a sociedade sente nojo A água que escorre do esgoto Mas a fé no Senhor nunca se abala É triste conviver com a mágoa A minha casa é o chão gelado da calçada, que você cospe quando pa**a [Refrão x2] Eu moro lá no fim da rua onde tudo é escuro demais Escuro demais... [Verso 3] Televisão, TV, é pra você ver Eu falei no começo o que eu vi na TV Chega até ser engraçado: mendigo sem nada, sem lar, sem barraco Sem porra nenhuma, só o céu e a chuva As estrelas e a lua, no peito a angústia O presidente prometeu pro Nordeste: acabar com a sede Matar com a febre de quem sentia fome, de quem não tinha água Faz tempo, a promessa virou mágoa Meu padre Cícero me guie pelo certo, me mostre uma luz Não deixe o demônio de terno me atentar Mesmo na fraqueza ou na escuridão da minha mente Com certeza, eu acredito tenho fé, não desisto Se for pra ser esse o meu destino, eu vou até o final Entre espinhos e arames e minha fé faz de mim, irmão, um gigante Você que pa**a por mim e sente medo Você que sente dó e até receio Percebe, como eu, que os olhos da humanidade Na verdade, são espelhos da mediocridade Cê deve até tá achando estranho É que a dureza da vida me ensinou Enquanto você dormia ou até mesmo estudava Enquanto meus filhos, minha família sonhavam Com um barraco de madeira ou de papelão Que eu mendigo, jamais se torna**e ladrão Seriam felizes demais num pedaço de terra Lá no Nordeste ou aqui na favela Mas não, enquanto você faz a faculdade Gasta dinheiro pra manter a vaidade Hã, ou patrocina esse sistema covarde Os meus filhos pa**am dificuldade A lágrima que escorre agora é de um sobrevivente com fé Ó, meu deus, minha nossa senhora, me dê forças pra continuar de pé Sente pena, da risada? Humilham meus filhos com palavras É triste conviver com a mágoa, mas minha fé no senhor nunca se abala Minha casa é o chão gelado da calçada, que você cospe quando pa**a [Refrão x3] Eu moro lá no fim da rua onde tudo é escuro demais Escuro demais...