[Verso 1]
Mais um dia, mais um ônibus que eu peguei no Rio
Um ônibus tranquilo: estava vazio!
E a cidade engarrafada, como não podia deixar de ser
Viagem demorada, o que fazer?
Sem nenhuma mulher por perto pra bater um papo esperto
Resolvi escrever um rap a mais, mas não estou bem certo
Sobre o que eu vou rimar
- Diz aí trocador - (Ah sei lá)
Então eu vou no instinto
Pego um papel e vamos vê o quê que dá
Foi nesse instante em que eu olhei pela janela
E que susto eu levei
Era ela: a inflação estampada na vitrine
Atingiu meu coração e deu vontade de partir pro crime
Porque o que eu quero comprar já não dá mais
A não ser que eu faça como fez o Ferrabrás (Quem?)
Então eu tento esquecer, continuar a rimar
Mas o que eu vejo do outro lado é duro de acreditar
Mas é real e a realidade dói demais
São dois mendigos se matando pelos restos mortais
De um cachorro qualquer que foi atropelado
E vai virar rango e se der talvez seja a**ado
(Hmm, esses nojentos gostam disso?)
- Não arrombado
Aquilo é um ser humano que chamaram de descamisado
- Um desesperado, um brasileiro como eu
Que deve sempre perguntar (Será que existe mesmo Deus?)
Não é o Pensador que vai tentar responder
Eu continuo rimando tentando esquecer
[Refrão]
Porque esse rap não é sobre nada especial
É o rap do 175 que eu peguei na central
[Verso 2]
E de repente o ônibus começou a encher
Entrou mais gente, houve um tumulto
Alguém gritou e eu olhei pra ver
(Quê que é isso?
Quê que tá pegando?
Quê que tá havendo?)
(É um a**alto, malandro!
Será que você ainda não tá percebendo?)
O desespero do trabalhador começou
E eu também tentava esconder meu dinheiro
Quando alguém falou
(Libera esse aí que é o Pensador, mané!)
Mas eles eram meus fãs, então levaram meu boné
(Autografado né, Pensador, se liga!)
Alguns acharam que eu era cúmplice quase deu briga
Mas a viagem prosseguiu e os ladrões desceram
E aí a raiva que subiu na cabeça dos pa**ageiros
E o mais injuriado era um bigodudo
Que tinha ganhado o salário (Eles levaram tudo)
Entraram dois PMs pela porta da frente
Estufando o peito e olhando pra gente impondo respeito
Mas os ladrões já tavam longe, num tinha mais jeito
Pra priorar levaram o bigodudo como suspeito - ele era preto
Coisas desse tipo é difícil esquecer
Mas eu vou continuar porque eu já disse a você que:
[Refrão]
[Verso 3]
Agora estamos pa**ando pela praia de Copacabana
Travestis e prostitutas se acabando por grana
E os gringos vão achando aquilo tudo bacana
(O Brasil é um paraíso! As mulheres são boas de cama)
Ô gringo não força, deixa de ser imbecil
Você que vem lá de fora quer entender do Brasil
(Ha ..."O Brasil é um paraíso! - É mole?- E o inferno é onde?!)
-(Pera aí, Pensador)
E por falar em paraíso, olha que loucura
Subiu no coletivo uma estranhíssima figura
Com uma Bíblia na mão e uma cara de débil mental
Pregando a enganação da Igreja Universal
(Ou será que era alguma outra igreja dessas? Ah num faz mal, igreja de enganar otário é tudo igual)
E o coitado foi soltando aquele papo de crente
Eu rezando: Deus me dê paciência!
Mas o pentelho desceu pra alegria da gente
E na saída do ônibus sofreu um acidente
Se distraiu e foi atropelado pelo caminhão
Morreu esmagado com a bíblia na mão
(É morreu? Melhor do que viver nessa ilusão
Num queria Deus? Foi pro céu então) - (Num sei não)
Enquanto todos se benziam com pena do crente
Eu fui rimando, bola pra frente
[Refrão]
[Verso 3]
E eu percebi que o trocador ficou fazendo careta
Prum coroa que pa**ou por debaixo da roleta
Era um senhor de óculos, barba branca ...
Ei pera aí (Ei, professor, o quê que o senhor tá fazendo aqui?
Quê que houve? Foi a**altado? Perdeu o dinheiro?)
-(Não ... É ... sabe oquê que é ... Eu já gastei o salário inteiro)
Hm, hm mudei de a**unto ele já tava encabulado
No meio do mês o salário dele já tinha acabado
Era o meu ex-professor da escola (Coitado)
Tá fodido e mal pago, daqui a pouco tá pedindo esmola
Ele é um mestre, um baú de sabedoria
Esse num é o valor que um professor merecia
Profissional de primeira importância pro nosso futuro
Ninguém mais quer ser professor pra num viver duro
E ele desceu em outra escola pra dar mais aula
(É que eu trabalho nos três turnos
Chego em casa e ainda corrijo prova)
Tchau professor - (Tchau Pensador)
Desceu mais um trabalhador que tá numa de horror
[Refrão]
[Verso 4]
E nós agora estamos pa**ando pelo bairro de São Conrado
E como o tempo tá fechando eu tô ficando preocupado
Ih! Choveu! Pronto, tudo alagado
Uns vão nadando outros morrendo afogados
E enquanto na favela tem barraco caindo
Não é que pa**a o Prefeito num iate sorrindo
E se o nosso ex-presidente estivesse aqui
Ele estaria certamente num belíssimo jet-ski
Mas como nós não temos embarcação pra todo mundo
Essa triste situação tá parecendo o fim do mundo
Pra quem tá de carro, pra quem tá de ônibus
Nessa Rio-Babilônia No Brasil do abandono
E enquanto os governantes vão boiando sorridentes
Vamos remando bola pra frente
[Refrão]
[Verso 5]
E o pior de tudo é que nessa grande viagem
Nada disso do que aconteceu foi novidade
E as autoridades estão defecando
Pro que acontece ao cidadão brasileiro no seu cotidiano
Porque pra eles isso não é nada especial
No dos outros é refresco num faz mal
E fecham os olhos pro que até cego já viu:
O revoltante retrato da vida urbana no Brasil!
E eu não me refiro ao 175 ou qualquer linha da central
Eu tô falando do dia a dia a qualquer hora em qualquer local
Porque esse rap não é sobre nada especial...