Sabes quem foi Ahasverus?... — o precito, O mísero judeu, que tinha escrito Na fronte o selo atroz! Eterno viajor de eterna senda... Espantado a fugir de tenda em tenda Fugindo embalde à vingadora voz! Misérrimo! Correu o mundo inteiro, E no mundo tão grande... o forasteiro Não teve onde... pousar. Co'a mão vazia — viu a terra cheia. O deserto negou-lhe — o grão de areia, A gota d'água — rejeitou-lhe o mar. D'Ásia as florestas — lhe negaram sombra A savana sem fim — negou-lhe alfombra O chão negou-lhe o pó!... Tabas, serralhos, tendas e solares... Ninguém lhe abriu a porta de seus laresE o triste seguiu só. Viu povos de mil climas, viu mil raças, E não pôde entre tantas populaças Beijar uma só mão... Desde a virgem do norte à de Sevilhas Desde a inglesa à crioula das Antilhas Não teve um coração!... E caminhou!... E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam Com respeito e pavor. Ai! Fazia tremer do vale à serra... Ele que só pedia sobre a terra — Silêncio, paz e amor! — No entanto à noite, se o Hebreu pa**ava, Um murmúrio de inveja se elevava, Desde a flor da campina ao colibri. “Ele não morre” a multidão dizia... E o precito consigo respondia: — “Ai! mas nunca vivi!” — O gênio é como Ahasverus... solitário A marchar, a marchar no itinerário Sem termo de existir. Invejado! A invejar os invejosos. Vendo a sombra dos álamos frondosos... E sempre a caminhar... sempre a seguir... Pede u'a mão de amigo — dão-lhe palmas: Pede um beijo de amor — e as outras almas Fogem pasmas de si. E o mísero de glória em glória corre... Mas quando a terra diz: — “Ele não morre” Responde o desgraçado: “Eu não vivi!...”