Eu estava em casa
Mastigando o pensamento
Olhando pro firmamento
Que era noite de luar
E de repente
Uma estrela cadente
Piscando na minha frente
Parou pra me falar
Ela me disse:
Meu poeta camarada
Tome aqui, quero lhe dar
Um presente magistral
E foi tirando
Do seu peito colossal
Um instrumento real
Que ela chamava ganzá
Meu ganzá, meu ganzarino
Meu ganzarino real
Gira o mundo, treme a terra
E eu na pancada do ganzá
Quando eu peguei
Meu ganzá pra cantar coco
Eu pensei que tava louco
Eu não pude acreditar
Pois na primeira
Batida da minha mão
Meu ganzá caiu no chão
E deitou logo a falar:
Salve o coquista
Que chegou de longe agora
Você veio bem na hora
De poder me resgatar
Da solidão
Onde eu tenho vivido
Onde têm me escondido
Para eu não me revelar
Sou um instrumento
Pequeno, feio, chinfrim
Que trago dentro de mim
Basculho pra sacolejar
Garrafa velha
Qualquer coisa reciclada
Dou beleza ritmada
Quando vêm me balançar
Dou marcação
Pro samba, pro fox-trote
Pro baião, forró e xote
E o que mais venham inventar
E o que vier
Até som do outro mundo
Sou primeiro sem segundo
Na arte de ritmar
E o ganzá
Se colou na minha mão
Apertei ele e então
Senti forte um balançar
Fazia a**im:
Tum, tum, tum, tum, tum, tum, tum
Como no peito o baticum
Que tá pronto pra amar
E fui cantando
Fui dizendo ao ganzarino:
Te conheço de menino
Mas hoje fui te encontrar
Ele falou:
Te conheço há bem mais tempo
Mas não vai ter contratempo
Que possa nos separar
E disse mais:
Meu cantor, meu menestrel
Eu conheço esses céus
Antes de cabral chegar;
Pode ir me ver
Onde eu fui desenhado:
Pelo pré-homem datado
Lá na pedra do ingá
Eu aprendi
Sobre ele e ele de mim
E tem sido sempre a**im
E a**im sempre será
Pois nessa vida
Quem ensina sempre aprende
E a gente mais entende
O que foi e o que virá
Fomos cantando
O país do futebol
D'amazônia, praia e sol
Do babau, do boi-bumbá
Do são joão, da cavalhada
Do repente, da congada
Da catira e do guará
Esse país
Feio, rico, pobre, lindo
Que eu não sei pr'onde tá indo
Mas eu sei que chega lá
Fomos ouvir
A floresta tropical
O sertão, o litoral
Ver a seca, a preamar
Por isso eu digo
Meu amigo, camarada
Se não tá fazendo nada
Por que cê não vem pra cá?
Tire a gravata
Do pescoço, solte o nó
Abra o peito e o gogó
Eu, você e meu ganzá